A sociedade colonial luandense há muito tempo não tinha notícia de uma acção nacionalista espectacular. O desvio do avião por três militantes do MPLA, ou “terroristas”, como lhes chamavam, abalou os dias calmos da grande capital, embalados por uma guerra que parecia longínqua nas florestas do Norte e nas chanas do Leste.
Já iam longe o 4 de Janeiro, o 4 de Fevereiro e o 15 de Março. A metrópole tinha enviado uma poderosa força militar e policial para defender a “jóia da coroa” portuguesa e agora caía no colo dos colonos o desvio de um avião, facto inédito em Angola. E à boca-cheia, a sociedade branca comentava: “Se a metrópole não nos defende, nós vamos defender-nos, não precisamos deles…”.
Éramos todos ainda muito jovens, a maioria de nós estava a completar 20 anos e o nosso activismo político tinha a marca da aventura e da coragem adolescente contra o sistema colonial português, num contexto de feroz repressão contra o nacionalismo, que não conhecia qualquer contemplação.
Dois acontecimentos marcaram esse já longínquo ano de 1969, há 51 anos, 8 anos depois do 4 de Fevereiro e quase 4 anos após a formação do Grupo de Acção Kimangwa do MPLA, em plena Luanda colonial, rodeado da mais estrita clandestinidade, por jovens sem qualquer experiência de luta política e muito menos na clandestinidade.
Ficou o nome “Kimangwa”, mas era para ser “Kimwanga”. E após 4 anos, tínhamos no nosso activo grupo de jovens, longe de atingirem sequer os 25 anos, em torno de um objectivo maior, a Independência Nacional de Angola. Foi com a consigna do MPLA “Vitória ou Morte” que se preparou a operação do desvio do avião DC-3 da DTA para o Congo-Brazzaville.
A operação foi rodeada de secretismo extremo, só conhecida por um grupo muito restrito de militantes, pois a Polícia portuguesa (PIDE), por intermédio do chefe de Brigada Vieira, kambuta atarracado, de cabelo ondulado, andava sempre atrás de nós como cão rafeiro farejando comida. Nem o próprio Comité Director do MPLA conhecia a iminente e inédita operação.
Não era fácil o contacto dos militantes do interior do MPLA com o Comité Director em Brazzaville, quantas vezes era necessário trocar mensagens e nós íamos muito longe, utilizando o espaço das mensagens da própria Emissora Oficial de Angola, ouvida em onda curta nos países vizinhos, com frases codificadas.
O Kimangwa estava integrado no Comité Regional de Luanda do MPLA. O coordenador-geral era Juca Valentim (“Tetembwa” ou “Kangongo”), mas ouvíamos dizer que Diogo de Jesus coordenava, igualmente, todas as estruturas, que se estendiam da Ilha aos bairros periféricos, passando pela Vila Alice. Viemos a saber, mais tarde, pela quantidade e localização das inúmeras prisões feitas pela Pide.
O Grupo de Acção Kimangwa era uma estrutura que se movia informalmente. A nossa acção mais parecia a de um grupo de amigos e mesmo a PIDE tinha dificuldade em definir-nos. Em minha casa, a minha mãe oferecia lanches ao grupo, organizávamos pequenas festas dançantes com as nossas namoradas, que também eram militantes. Quantas vezes nos reuníamos clandestinamente no Banco de Urgência do Hospital de S. Paulo (Américo Boavida), onde tínhamos um militante, o médico António Ferreira Neto.