Sinopse
A BONECA DE PANO
Esta Colectânea de contos infantis constitui uma experiência
digna de louvor. No tempo da literatura angolana, a literatura infantil
ainda é jovem. Ela só ganha corpo e expressão, precisamente, depois
da independência, isto é, com a criação da UEA.
Ao aproximarmos aos trinta anos de existência de Angola como
país independente e soberano, com ele surge e desenvolve-se a
literatura infantil, quero dizer, a publicada em livro.
Sentimo-nos embaraçados, quando o Secretário-geral, Adriano
Botelho de Vasconcelos, nos solicitou, ou seja, nos indicou a fim de
que prefaciássemos este livro, ao mesmo tempo que tomávamos
isto como um desafio. Sem, no entanto, ignorarmos as nossas
limitações nesta matéria. E, ainda por cima, por se tratar da primeira
experiência num trabalho que aglutinaos pesos pesadosda literatura
infantil angolana.
Ao assumirmos tal responsabilidade, nesta obra, achamos que
nos compete esclarecer alguns aspectos ligados à sua estrutura e
organização e que podem, consequentemente, facilitar a leitura.
Ela representa textos narrativos que poderíamos definir em termos
genealógicos como contos narrativos de ficção, uma vez que são
aqueles que impressionam a criança, e não só. Possuem no entanto,
condimentos fictícios. Aqui a imaginação e a fantasia criaram seres
reais abrindo a estes seres qualidades que não lhes pertencem.
O fruto desta faculdade leva-nos a constatar que ela aponta para
os mesmos objectivos: divertir e instruir para as orientações básicas10
a dimensão lúdica e a intencionalidade, dando assim, satisfação às
coisas reais do nosso espaço, tempo e das leis da natureza.
Os contos têm algo de extraordinário e de sobrenatural, quando
personificam animais, frutos, tubérculos e plantas.
Estes contos, alguns com vestes da literatura tradicional oral, são
na sua quase totalidade destinada a um público-auditório
indiferenciado no respeitante a classes etárias ou sociais. São contos
de tipo pragmático, visando incutir, nos seus consumidores, um
estado de predisposição que os leve a encontrar respostas na actuação
prática contra eventuais agressões – do meio onde estejam inseridos
– de ordem moral e física.
Pode-se notar nestes contos, como da praxe, a convivência entre
homens e animais. Entre homens e outros seres orgânicos, acima
aludidos. A transferência para estes seres: do mar, da vida, do nosso
mundo e dos outros. Coisas sobre os mundos: visíveis e ocultos, o
mundo do mistério.
Nesta antologia foram reunidos, apenas, 12 (doze) escritores,
embora se reconheça que sejam poucos os que escrevem para crianças
em Angola. Os escritores aqui reunidos, como pequena amostra,
por consequência aparecem com uma média de 2 dois contos cada.
Vamos indicá-los consoante aparecem ordenados com os respectivos
contos, nomeadamente: Cremilda de Lima com dois contos “O
Aniversário de Vavô Imbo” e “O Nguiko e as Mandiocas”; Costa
Andrade com o conto “O Castigo da Raposa”; Gabriela Antunes
com o conto “Kibala, o Rei Leão”; Henrique Guerra com o conto
“O Caçador, o Jacaré, e a Pedra Negra”; Jorge Macedo com os contos
“Tão! Tão! Tome o Pato”, “A Noite, a Árvore e o Passarinho de
Bibe Maravilha” e “Jójó, o Menino de Olhos de Bimba”; José
Samwila Kakweji com os contos “A Lebre e o Mocho” e “A águia e
as Galinhas”; John Bella com o conto”A Canção Mágica”; Maria
João com o conto “A Viagem das Folhas do Caderno”; Maria Eugénia
Neto com os contos “O Bicho das Patas Mil”, “A Trepadeira que
Queria Ver o Céu Azul”; Maria Celestina Fernandes com os contos 11 “Os Dois Amigos” e “As três Aventuras”; Raúl David com os contos
“A Palanca Vaidosa”, “A águia e o Candimba”; Yola Castro com os
contos “O Lápis de Cor Rosa”, “As duas Mangueiras”.
Nessas condições, é tentador subestimar e menosprezar a
importância da literatura infantil e dos que a produziram e que a
produzem como projecto de desenvolvimento geral e relegar para o
último plano este tipo de preocupações. É verdade que esta
Colectânea de contos infantis não culmina forçosamente com uma
mudança brusca da situação deficitária que esta literatura desempenha
no sistema do ensino – As crianças não lêem e poucos, se não nenhuns,
são os professores que levam um livro para a escola, para com ele
ajudarem as crianças a criarem hábitos de leitura, se bem que se
possa constituir, provavelmente, numa ferramenta essencial do
processo de ensino e aprendizagem, logo um livro escolar, o que
pode obrigar os alunos a utilizarem-no.
É difícil, geralmente, convencer os países e seus pares do valor da
literatura infantil angolana já que os livros, no seu cômputo geral
têm entre nós, uma utilização penosa, por um lado. Por outro lado,
o que se publica em Luanda não chega às províncias, que já de si
possuem uma vida cultural - isto no sistema de ensino em Angola -
muito mais pobre.
É evidente, enfim, que face à diversidade cultural característica
do nosso espaço nacional, o importante é que, para nós, e outros
países de África, falemos, ou melhor, enalteçamos os valores deste
grande tesouro que sedimenta o nosso património cultural, a nossa
alma, que é a literatura tradicional oral, como subsídio, de certo
modo, da literatura infantil, já que o contrário pode contribuir ainda
mais para a limitação dos horizontes da criança angolana.
Carpe diem, já dizia Horácio.